sábado, 17 de novembro de 2012

O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA

Texto de Luiz Antônio Simas

Chegamos ao limite da insanidade da onda do "politicamente correto".
Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais “O cravo brigou com a rosa”.
A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra, "O cravo encontrou a rosa/debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz/e a rosa ficou encantada".
- Que diabos é isso?! O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha!
Será que esses doidos sabem que “O cravo brigou com a rosa” faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro? É Villa Lobos, cacete!
Outra música infantil que mudou de letra foi “Samba Lelê”.
Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: “Samba Lelê tá doente/Tá com a cabeça quebrada/Samba Lelê precisava/É de umas boas palmadas”. 
A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê.  A tia do maternal agora ensina assim: “Samba Lelê tá doente/Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar”.
- Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca!
Os amigos sabem de quem é  Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.
Comunico também que não se pode mais “atirar o pau no gato”, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos.
Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais “ter sete namorados para se casar com um”. Sete namorados é coisa de menina fácil.
Ninguém  mais “é pobre ou rico de marré-de-si”, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade social entre os homens. 
Dia desses alguém (não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual,  Pai Google da Aruanda) foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. 
- Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado.
Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. “Bicha louca”, diria o velho.
Vivemos tempos de não me toques que eu magoo.
- Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado?
Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice.
O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem. A expressão “coisa de viado” não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma.  
O negro, agora, só pode ser chamado de afrodescendente.
Daqui a pouco só chamaremos o anão, o popular “pintor de rodapé” ou “leão de chácara de baile infantil”, de "deficiente vertical"; o branquelo, o famoso “branco azedo” ou “omo total”, é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente; a mulher feia, aquela que nasceu pelo avesso; a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o “rascunho do mapa do inferno”, é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade; o gordo, outrora conhecido como “rolha de poço”, “chupeta do Vesúvio”, “orca, baleia assassina” e “bujão”, é o cidadão que está fora do peso ideal; o magricela não pode ser chamado de “morto de fome”, “pau de virar tripa” e “Olívia Palito”; o careca não é mais o “aeroporto de mosquito”, ”tobogã de piolho” e “pouca telha”... Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho; direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais!
Não dá...
O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.
O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra puta que o pariu e o centroavante pereba tomar no..., cantaremos nas arquibancadas o "Allegro" da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de "Jesus, alegria dos homens", do velho Bach.
Falei em velho Bach e me lembrei de outra:
A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso “pé na cova”,  “aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança”, “o cliente do seguro funeral”, o popular “tá mais pra lá do que pra cá”,  já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a "melhor idade".  Se Deus quiser, morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde.
- Defuntos?
Não. Seremos os "inquilinos do condomínio da cidade do pé junto"!
 

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