domingo, 21 de junho de 2015

CADÊ A TRADIÇÃO QUE TINHA AQUI?

Texto de Rubens Mário
  PROFESSOR E ADMINISTRADOR DE EMPRESAS

Se aproxima mais uma festa de São João. Acredito que esse é o período, culturalmente, mais rico e o mais bonito do ano. Outrora, na véspera de São João - o santo mais festejado - a cidade se transformava, com a maioria das suas ruas, ainda de terra, toda enfeitada com os motivos juninos e ficando parecida com uma gostosa província interiorana. Toda a cidade ficava decorada com bandeirolas coloridas, independente de ser ano de copa do mundo. Naquele dia especial, quase todas as famílias tinham um ritual a cumprir. Na nossa casa, por exemplo, na Rua da União, em frente à saudosa praça da faculdade, como tínhamos um estoque bastante grande de madeira no nosso imenso quintal - o nosso pai tinha mandado derrubar a casa de taipa e a substituído por outra de alvenaria - logo cedo já separávamos os paus para a imponente fogueira. Nesse momento já começávamos a pensar nos fogos que o nosso pai, com certeza, iria trazer quando saísse da alfaiataria no beco de São José. À tarde, por volta das 16:00h., os moradores varriam o terreiro onde iam ser edificadas as fogueiras; de todas as casas  saiam madeiras velhas  e cada família se esforçava para fazer a maior e mais bonita fogueira; ao lado delas,  muitos fincavam, pés de bananeiras ou qualquer outra planta às quais  chamávamos de mastro. No cair da tarde todo o trabalho estava concluído e as ruas se transformavam em lindos arraiás. À noite, para nossa alegria maior, nosso pai chegava com pacotes de fogos, e nós eu e meu irmão Robson - abríamos curiosos para saber o que tinha ali dentro; encontrávamos estalos bebés, traques, chuvinhas, diabinhos, estrelinhas, espanta coiós, e etc. Para a nossa mãe ele trazia, rodinhas, foguetes e vulcões. À essas alturas, a minha mãe já tinha preparado  a deliciosa canjica de milho verde. No meio da noite as fogueiras eram acesas e aí atingíamos o ponto culminante da grande festa. Os balões, naquela época, inofensivos, eram soltos sem maldade pelos adultos e enfeitavam o céu já iluminado pelas milhares de fogueiras. Nós, na nossa inocência infantil, corríamos pelas ruas do Prado com espelhinhos redondos acompanhando as trajetórias dos balões no céu, até observarmos as suas quedas, geralmente, na lagoa mundaú. Quando conseguíamos resgatar as sobras de um balão apagado, levávamos aquilo como um troféu para mostrar aos mais velhos. Quando, para a tristeza geral, as fogueiras começavam a virar brasas, era chegada a hora de assar o milho verde ou a batata doce. Toda essa festa esfuziante era animada pelas lindas músicas do Luiz Gonzaga, da Marinês e sua gente, do Jackson do pandeiro, da Cremilda, da Carmélia Alves e tantos outros.
Hoje, com o advento da perversa globalização, e a abrupta e cruel transformação da nossa pequenina cidade em uma desengonçada metrópole, perdemos a nossa sensibilidade e permitimos que invasores ignorantes e insanos destruíssem a nossa rica cultura. Para que se tenha uma ideia desse crime hediondo, vou citar um absurdo que fui obrigado a presenciar na véspera de Santo Antônio na minha saudosa praça da faculdade onde funcionava mais uma feira camponesa. Naquele dia foi anunciado o último show com a realização de um bingo cujo prêmio seria um carneiro. Pedi que os meus vizinhos da Rua São Domingos atrasassem a queima da única fogueira daquela região, e fui, todo entusiasmado, assistir, junto com nossos irmãos campesinos, a, suposta, apresentação de um trio de forró pé de serra. Para a minha tristeza e decepção, encontrei lá um sujeito tocando um órgão e cantando de forma atabalhoada, coisas, naquele momento, naquele dia e naquele evento, totalmente desrespeitosas e agressivas à nossa desrespeitada cultura. Imediatamente, me retirei do local a tempo de acender a nossa fogueira solitária, vê-la queimar, ouvir as músicas da época, comer nossa canjica, nosso milho assado na brasa, tomar nossa cerveja gelada e, silenciosamente, perguntar: cadê a nossa tradição que tinha aqui?

Um comentário:

  1. Quanta verdade no que você disse!!
    E triste, como você, digo: "Cadê as tradições que estavam aqui?".
    Parabéns!

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