quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

A MANGUEIRA

Texto de Carlito Lima

- Delícia! - exclamou Albérico, chupando a terceira manga rosa na varanda do sítio do amigo Alfredo. Estavam sentados à mesa conversando enquanto as esposas catavam frutas no bem cuidado pomar.
- É daquela mangueira, a mais cheia, mais viçosa, maior que as outras plantadas na mesma época - apontou Alfredo.
- Que adubo você colocou nessa mangueira, meu amigo?
- Uma história inacreditável, nunca contei; apenas Severino, meu caseiro, sabe. Se você tiver paciência conto essa história. É segredo, nem sua esposa, ninguém pode saber, promete?
- Prometo e escuto, desde que me traga mais manga.
Alfredo trouxe um prato de manga rosa colocou-o na mesa. Iniciou o relato.
- Há dez anos, quando estava me separando de Rita, todos os dias eu almoçava num restaurante na Rua da Praia. A garçonete de nome Rosa chamou-me a atenção, beleza singela, loura, pele branca rosada pelo sol. Simpática, eu lhe dava boas gorjetas, ficamos amigos. Certo dia me assustei, quando perguntou se eu queria transar com ela. Claro que sim, partimos para um motel. Três meses de encontros, contou-me sua história: polonesa, seu nome verdadeiro, Rozowe Komorowski, os pais vieram para o Brasil quando ela tinha 5 anos, moraram em Santa Catarina. Rosa tinha um problema no coração, não podia fazer esforço, cansava, um médico afirmou, não chegaria aos 18 anos, já tinha 26; mais nova que eu 31 anos. Seus pais morreram num desastre;, sozinha no mundo, Rosa resolveu morar no Nordeste, terra de sol, povo alegre. Estava em Maceió há nove meses, ficou encantada com tanta luz, céu e mar azul esverdeado, terra bonita para viver e morrer. Arranjou um modesto emprego, sua vida tão finita, não dava valor a dinheiro, emprego, apenas para se sustentar, comprar remédios, não tinha envolvimento sério com namorado, agora se apegava a um homem maduro, estava passando uma fase feliz em sua vida, aproveitava todos os momentos.
Alfredo apertou os olhos marejados, respirou, continuou a contar.
- Naquela época apareceu esse sítio em Marechal Deodoro, margeando a Lagoa Manguaba, Rosa se apaixonou pelo local, deu maior força, comprei o sítio, tomei gosto, iniciei plantação, adoro frutas. Passava o fim de semana no sítio com Rosa, discretamente, eu não aparecia em público com a namorada, me sentia ridículo, mais velho. Ela não se importava, queria apenas ficar comigo. Seus olhos brilhavam de felicidade ao chegar aqui, amava esse lugar. Viajamos a São Paulo, levei-a a um cardiologista famoso, diagnosticou o mesmo problema, deixei seu nome na fila de espera de transplante do coração. Rosa não mais trabalhou, a meu pedido, aluguei um pequeno apartamento beira mar na Jatiúca, toda manhã minha namorada ia à praia, à noite eu lhe visitava. Assim passei dois anos vivendo, amando aquela jovem alegre, cheia de vida, mesmo sabendo que poderia morrer a qualquer instante. Rosa adorava manga. Certo dia fiz-lhe uma surpresa, comprei oito enormes mudas, tipos variados de mangueiras. Num sábado entulhamos o carro, Rosa feliz da vida  acompanhou a abertura dos buracos, plantio das mudas. Sorriu-me pedindo, "quando eu morrer me enterre nesse sítio e plante por cima uma mangueira". Levei na brincadeira. À noite nos amamos, pela madrugada ouvi um ronco, acendi o abajur, olhei de lado, Rosa de boca aberta, olhos semicerrados, balancei-a, havia morrido. Fiquei inerte, pensando na vida, na namorada morta. Ao amanhecer contei a história a Severino, ele concordou, abrimos uma cova, enterramos Rosa, plantamos uma mangueira por cima. Jamais, nesses dez anos, alguém desconfiou ou procurou por Rosa. Todo sábado venho vê-la. Casei-me novamente, nunca contarei à minha esposa e a mais ninguém a história dessa mangueira florida, viçosa e bela, plantada por cima de Rosa.
Enternecido Albérico colocou o braço por cima de Alfredo, disse apenas.
- É nosso segredo.

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